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Lauro Bacca: Por que a força do ribeirão Garcia durante chuva serve de alerta aos governos



Ambientalista e naturalista comenta sobre a gestão de paisagens e bacias hidrográficas na região; entenda

18/10/2021 - 13h36

Força da água no Ribeirão Garcia surpreende moradores de Blumenau.

Força da água no Ribeirão Garcia surpreende moradores de Blumenau.(Foto: Jan Rosa, Reprodução)

Por Lauro Eduardo Bacca, presidente da Acaprena (Associação Catarinense de Preservação da Natureza), naturalista e ambientalista

Viralizou na internet. O rio, violento, ensaiava passar por cima da ponte. Quando cheguei ao local as águas já tinham baixado cerca de meio metro. Mesmo assim, ainda era assustadora a força da torrente, que, àquela altura, já tinha arrancado parte da margem, expondo a base de um poste que só não caiu porque estava apoiado nos seus próprios fios.

A chuvarada do último dia 12 assustou os moradores da Nova Rússia em Blumenau e causou prejuízos em diversas outras cidades do Estado. Despertou na memória social o terror das sucessivas enxurradas anteriores, com destaque à pior de todas, conhecida como a tragédia de 2008 no Vale do Itajaí. O dragão hidrológico rosnou e assustou.

A partir da referida ponte, desci o vale do rio Garcia até a foz no Itajaí-Açu, por uns 20 quilômetros, buscando sempre a máxima visualização do rio e do seu comportamento em seus diferentes trechos. O que observei (e já esperava por isso) foi:

  1. Quase não restam mais baixadas alagáveis das que outrora existiam naturalmente ao longo do rio Garcia. Os aterros indiscriminados, clandestinos inclusive, ocuparam grande parte do espaço que antes servia para o armazenamento de água, minimizando com isso a força das enxurradas;
  2. O poder público fez sua parte na coisa errada. Ao longo dos anos, sucessivas dragagens para “desobstruir” o leito do rio resultaram em deposição em suas margens de imensas quantidades de material dragado. Junto com os aterros dos proprietários lindeiros, isso foi obstruindo o leito secundário do rio, importantíssimo para dar vazão e amenizar as ondas de cheias. Do ponto de vista hidrológico, aprofundar o leito do rio com deposição do material nas margens equivale quase que a trocar seis por meia dúzia, pagando caro, por sinal;
  3. Como em todas as enxurradas, as águas estavam bem barrentas. No entanto, nas águas de afluentes como o Caetés era visível a diferença. Apesar de descer de área muito íngreme, mas com matas praticamente virgens do morro do Spitzkopf, em Blumenau, as águas apresentavam-se quase límpidas, apenas esbranquiçadas pela erosão natural.

​Mais uma vez chego à conclusão de que precisamos avançar muito na correta gestão de paisagens e de bacias hidrográficas. Em plena época de mudanças climáticas, em que se prevê eventos extremos cada vez mais fortes e frequentes, precisamos, mais do que nunca, parar de atacar as consequências e sim o que for possível das causas. 

Urge que prefeituras e demais instâncias governamentais deixem de insistir apenas na dragagem dos rios e passem a controlar de forma eficaz, de uma vez por todas, o uso e ocupação dos solos, os aterros, os desmatamentos, as aberturas de vias clandestinas e demais movimentações de terra, causas de erosão, de deslizamentos de terra e fonte da maior parte do material que assoreia nossos cursos d’água.

Urge também que o atual regramento ambiental de proteção de margens de rios não apenas seja mantido (e não revogado, como alguns pretendem fazer no momento), mas que também sejam baixadas normas que proíbam todo e qualquer aterro em toda e qualquer área alagável, algo que caberia bem até numa lei estadual, mais abrangente.

O rio apenas rosnou desta vez. Ainda bem, serve como alerta.

Fonte: https://www.nsctotal.com.br/noticias/lauro-bacca-por-que-a-forca-do-ribeirao-garcia-durante-chuva-serve-de-alerta-aos-governos#