(Artigo de Lauro Eduardo Bacca publicado em “O Caminho”, órgão da IECLB – Sínodos Vale do Itajaí e Norte Catarinense, abril de 2007).

Em 2007, completam-se 30 anos da Conferência de Tbilisi, onde se estabeleceram as bases e princípios da Educação Ambiental, propostos para todos os países. Já é um bocado de tempo e muitos e bons avanços aconteceram. No entanto, alguma coisa anda errada, senão vejamos: fala-se em reciclagem, mas não se põe em prática uma drástica redução do lixo que produzimos. Nos supermercados é uma verdadeira festa de entrega de sacolas plásticas, a maioria mal preenchida e não se vê ninguém chegando às compras com suas sacolas vazias para reutilizá-las. Os carros têm cinzeiros, mas o que mais se vê são pessoas, tanto em carros de luxo como em veículo popular, atirando na rua seus tocos de cigarro. Observando os ambientes, vejo na universidade muitos estudantes “vendendo saúde”, aguardando pachorrentamente na enorme e demorada fila do elevador, para subir uns poucos andares, quando pelas escadas chega-se mais rápido e com um pequeno e saudável exercício físico já feito. Ao término das aulas, muitas salas continuam com a luz acesa, porta aberta e os aparelhos de ar condicionado ligados. Onde ficou a velha expressão “o último que sair apague as luzes e os aparelhos”? Nos banheiros, dificilmente vê-se o aviso com orientação para sacudir bem as mãos antes de enxugá-las e com a informação de que uma única folha de papel, no máximo duas, já são suficientes para tal. Os bebedouros jorram água excessivamente gelada, o que implica outro gasto inútil de energia. A moda recente de prédios coloridos constitui outro exemplo. Neste verão meu filho contou que ninguém conseguia dormir num dos quartos do apartamento em que ficou, mas por fora o prédio era de um belo verde escuro com verde abacate, excelentes cores para absorver o sufocante calor do sol.

Os exemplos acima demonstram como agimos muito mecanicamente e sem perceber o quanto agredimos o meio ambiente nas pequenas atitudes do dia-a-dia. Desde crianças aprendemos com freqüência que é importante preservar a fauna e flora, mas não se diz como. Ora, a imensa maioria das espécies nativas não sobrevive fora do seu hábitat natural. Logo, sem preservá-los, não há como garantir sua sobrevivência. No entanto, quando o governo propõe criar um Parque Nacional ou uma outra Unidade de Conservação destinada exatamente a garantir o hábitat natural das espécies, acontecem violentas resistências, o que demonstra também por aí que alguma coisa está falhando na Educação Ambiental.

Em âmbito mais abrangente o problema é o mesmo. A moda agora é falar em seqüestro de carbono e que é necessário plantar muitas árvores. Excelente! No entanto, árvores que já existem são derrubadas e os espaços disponíveis diminuem dia a dia para as exigências de alimentação e consumo de uma população ainda crescente. Só para suprir as necessidades do principal deus da religião do consumo, o automóvel, os Estados Unidos, por exemplo, já asfaltaram em estradas e estacionamentos uma área total de inacreditáveis 16 milhões de hectares. Superfície equivalente a 1,7 vezes todo o estado de Santa Catarina, onde é impossível nascer qualquer plantinha, imagine-se uma árvore!

Por falar em automóvel, saúdam-se os carros a álcool como “ecologicamente corretos”, por não contribuírem tanto para o aumento do carbono-efeito-estufa na atmosfera. O mesmo é válido para os demais biocombustíveis, encarados por muitos como a grande solução. Poucos, no entanto, lembram-se das imensas e já limitadas áreas agrícolas que devem ser ocupadas, sem contar as enormes quantidades de água que serão necessárias para a irrigação das plantações destinadas à obtenção da matéria prima destes combustíveis alternativos. E o carro elétrico? Ótimo, não polui, mas, de onde virá a energia necessária para a recarga das baterias de milhões destes carros em todo o mundo? Haja mais hidroelétricas, termoelétricas e assim por diante, com seus respectivos grandes impactos ambientais. E a energia necessária para produção em massa de hidrogênio, também para veículos e outras utilidades? Na realidade, não existem milagres e o que acontece é simplesmente a troca de um problema ambiental por outro.

Até mesmo a pretensamente mais limpa fonte de energia, a solar, não resolverá nossos problemas se não tivermos a humildade de aceitarmos que as coisas tem LIMITES. O Planeta tem limites. Nós temos que introspectar a noção de limites, se quisermos entregar um Planeta minimamente viável não só para nossos descendentes, mas também para todas as outras espécies, que hoje desaparecem em velocidade assustadora, esmagadas que são pelo rolo compressor civilizatório humano, desequilibrando a Biosfera e o futuro.

Acima de tudo, precisamos abandonar de uma vez por todas o conceito de que somos a coisa mais importante da Biosfera, pelo menos da forma arrogante e cega como temos feito, principalmente na nossa chamada Civilização Ocidental, com origem no pensamento grego e religiões abraâmicas. Acreditamos que fomos criados à imagem e semelhança de Deus, mas nos comportamos como um deus imbecil e narciso que, no seu antropocentrismo exacerbado, não enxerga nada além do seu próprio umbigo. Nesta cegueira ambiental, passamos mais de mil anos achando que éramos o centro não apenas do Sistema Solar, mas de todo o Universo, até que Copérnico e Galileu provaram o contrário. Não aprendemos, porém, a lição. Continuamos nos comportando cegamente diante da realidade que nos cerca. O Gênesis nos exalta a crescer e nos multiplicarmos e enchermos a Terra, mas não percebemos que já o fizemos há muito tempo, vários séculos talvez.

O Planeta, como está comprovado, não comporta os atuais e, muito menos, os futuros bilhões de seres humanos que o habitarão, ainda mais com o consumo aumentando de forma desvairada como facilmente se observa, ano após ano. E as pessoas não são mais felizes por causa disso. Esquecemos de perceber que o mesmo Gênesis que nos exalta a crescer e multiplicar, também exalta as outras espécies a fazer o mesmo e que ao criar todas as outras criaturas, Deus também as abençoou e viu que isso era bom, e se preocupou com o extermínio de suas criaturas, providenciando que Noé as salvasse do dilúvio. Mesmo assim, continuamos teimando em não reconhecer o valor intrínseco da Natureza como um todo ou de cada uma de suas espécies e ecossistemas em particular, independente de seu valor ou utilidade para o homem. Para muitos, a linguagem do Gênesis é apenas figurativa, mas sabemos que esta visão arraigou-se profundamente na civilização ocidental, independente da religiosidade das pessoas.

Se continuarmos insistindo na nossa visão antropocêntrica cega e arrogante em relação à Natureza, não há tecnologia que nos salvará. A revolução ecológico-ambiental que precisamos, não é uma revolução meramente tecnológica. Precisamos sim é de uma revolução cultural, ou melhor, mais que cultural, uma revolução civilizatória, que questione as bases com que temos encarado o mundo. Assim como tivemos que aceitar “na marra” há 360 anos que não éramos o Centro do Universo, precisamos urgentemente da humildade de aceitar que somos PARTE, e não À PARTE da Natureza, e que temos LIMITES de ação planetários e deveres éticos e morais de respeito ao Meio Ambiente, que é nosso e de todas as outras espécies, da bactéria ao elefante, da alga ao jacarandá, criaturas do Criador, que têm tanto direito de sobreviver quanto nós.

Em tempo: quando iniciei este artigo, em 06/03/2007 às 11:30 horas, a população mundial (humana) era de 6.693.955.500 habitantes (centena arredondada). Agora, acabando de revisá-lo, às 17:50 horas de 09/03, a população já é de 6.694.8200800 habitantes, segundo o “site” http://www.novomilenio.inf.br/porto/mapas/nmpop.ht .

* O autor é ambientalista e Vice-Presidente da Acaprena