NOTÍCIAS
Voltar

Qual cisne verde



A natureza brasileira acaba de perder aquele que tanto lhe deu.

Faleceu na madrugada de 31 de julho de 2014 um dos mais respeitados conservacionistas brasileiros, o almirante Ibsen de Gusmão Câmara e ex-vice-chefe do Estado Maior das Forças Armadas. Foi, porém, mais conhecido por sua destacada atuação frente à pioneira FBCN – Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza e por ter desempenhado papel chave para a criação de muitas Unidades de Conservação Brasileiras, especialmente das áreas protegidas marinhas, escreveu a jornalista Teresa Urban. A partir de agora, feito anjo da guarda, passa a voar qual cisne verde em noite de lua e a navegar num mar imenso qual baleia azul, a velar por todas as espécies, sentinela da biodiversidade!

Também a natureza catarinense muito deve a Ibsen Câmara, que aqui esteve várias vezes. Seja como peça chave na criação do Projeto Baleia Franca e APA da Baleia Franca no estado, seja dando apoio fundamental na luta pela criação do Parque Nacional da Serra do Itajaí, região que lhe mostramos num sobrevoo lá nos anos 1980 e depois subindo o morro Spitzkopf, para nesse trajeto e paisagem ter uma melhor ideia da qualidade das nossas matas.

Na então Fábrica Artex, ao ver lenha oriunda das espécies nativas usadas como fonte energética, não se conteve. “A biodiversidade da mata atlântica indo para as caldeiras”, disse com semblante disfarçadamente triste, olhando para aquelas enormes pilhas de lenha cortadas em forma de pequenas toras, muitas ainda cobertas de bromélias, orquídeas e musgos. Noutra ocasião, anos mais tarde, quando não mais era permitida a queima de lenha de espécies nativas e vendo o avanço na luta pela preservação na região, visitou a RPPN Reserva Bugerkopf, escreveu no livro de visitas: “Depois de tantos anos sem vir a Blumenau, fico feliz de constatar que as condições naturais melhoraram significativamente. Com toda a certeza, em grande parte devido a (vocês, ambientalistas daqui). É preciso não desistir nunca” (grifo meu). Sentou-se na varanda. Convidado, adiou a entrada na casa por longo tempo. “Quero ficar aqui apreciando um pouco mais a Mata Atlântica”. A conversa então se estendeu na varanda até o anoitecer, quando a barulhenta orquestra primaveril dos sapos-ferreiro nos fez entrar.

Espero que aquela escalaminhada ao Spitzkopf não tenha contribuído para com seu problema de joelho. Espirituoso e sempre afável, quando nos encontramos outras vezes muitos anos mais tarde perguntava: “como está aquele morro que subimos em Blumenau, de nome impronunciável?”.

Tenho certeza de que este meu breve testemunho se repetirá às centenas pelo Brasil afora. Por isso, qual linda garça que por aí vai cruzando os ares, qual baleia que por aí flutua, nos verdes mares de norte a sul, ficam as saudades na terra amada, nas matas tuas em que tanto pensaste e defendeste nos teus 90 anos, 7 meses e 12 dias de bom combate. Descansa verdadeiramente em paz, velho amigo!

Lauro Eduardo Bacca – vice-presidente da Acaprena – Associação Catarinense de Preservação da Natureza e conselheiro da Associação dos Proprietário de Reservas Particulares do Patrimônio Natural de Santa Catarina.



A natureza brasileira acaba de perder aquele que tanto lhe deu.
Lauro Eduardo Bacca - vice presidente ACAPRENA