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Morte lenta na floresta



Estudo realizado pelo Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia revela que mais de 100 espécies da flora tropical estão adoecendo por causa da fumaça provocada pelo fogo. Árvores seculares estão definhando

Um estudo científico revela que o efeito estufa não é a mais grave ameaça à floresta amazônica, já ameaçada pelo aquecimento global. As queimadas, mesmo as ocorridas no passado, continuam a matar árvores milenares, em um efeito retardado letal. Espécies que vivem naturalmente até 1,2 mil anos definharam nas duas últimas décadas por conta do desmatamento provocado no passado recente pela ação do homem. A conclusão vem de uma pesquisa do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (Inpa), cujos estudos vêm sendo conduzidos nos últimos 27 anos em uma área a 80km de Manaus (AM). Os primeiros são inéditos e temerários.

Os especialistas isolaram, na última fase da pesquisa, uma área de 1.000m² da floresta desmatada ainda na década de 90 pelas queimadas. As árvores que restaram nos locais próximos onde o fogo atuou passaram a ser observadas pelos pesquisadores. Uma das conclusões mais surpreendentes é que muitas espécies, mesmo aquelas consideradas mais resistentes, adoeceram por conta de ventos quentes, partículas de fumaça e secura ao longo desses anos. “O problema é que as árvores da Amazônia estão acostumadas com sombra e umidade. Em áreas abertas, elas morrem lentamente”, explica o pesquisador do Inpa, Henrique Nascimento, um dos coordenadores do projeto.

No total, mais de 100 espécies estão na lista daquelas que mais sofrem os efeitos das queimadas do passado. Entre as espécies ameaçadas estão as chamadas árvores primárias, exemplares importantes economicamente, como a carapanaúba e o angelim-vermelho. O estudo do Inpa aponta que, desprotegidas, as árvores ficam secas e a madeira perde a qualidade. “As folhas caem com mais facilidade. Isso quer dizer que a árvore está morrendo lentamente”, alerta Nascimento.

O maior problema ocorre com as árvores que estão no limite das áreas queimadas, onde a mortalidade é bem maior por conta da exposição aos ventos quentes e outras intempéries às quais as espécies não estão habituadas, como os fortes raios solares e a fumaça. “Na borda da floresta, o calor é muito maior e as espécies não suportam. Acabam com estresse fisiológico e morrem com o tempo”, explica.

A fumaça também provoca doenças respiratórias. Como em seres humanos. A pesquisa atestou que, a cada ano, seis árvores tombam mortas por hectare da floresta, em função dos resquícios das queimadas na Amazônia. Em cada hectare, há cerca de 300 árvores. Na borda, o número sobe para 15. “Pode parecer pouco, mas essa estatística é preocupante e considerada alarmante por especialistas”, alerta Nascimento.

Aquecimento
O estudo do Inpa não é único quando se fala nas ameaças à floresta amazônica. Segundo resultados preliminares de outra pesquisa, elaborada pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Brasil está mais vulnerável às mudanças climáticas do que se imagina justamente por conta de queimadas e do aquecimento global. “Na Amazônia poderá haver uma elevação de temperatura em até 8 graus e redução no volume de chuva em 20%, caso se confirme o cenário mais pessimista”, adianta o pesquisador José Antonio Marengo Orsini, do Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) do Inpe. Esse trabalho começou há dois anos e deve seguir até 2010 para mostrar como ficará o clima brasileiro pelos próximos 100 anos.

No final deste mês, o resultado final do estudo do Inpe será entregue ao Ministério do Meio Ambiente. De acordo com as conclusões, para evitar uma “catástrofe ambiental” é preciso interromper o desmatamento desenfreado com queimadas e controlar a poluição, entre outras medidas. Mesmo assim, no cenário mais otimista, segundo especialistas, a temperatura pode subir cerca de 5ºC até 2100 na Região Amazônica.

O primeiro alerta de que as árvores da Amazônia estão morrendo por conta da ressaca das queimadas foi dado no ano passado pelo cientista William Laurance, do Smithsonian Tropical Research Institute, no Panamá, em um congresso internacional. Ele alertou: os ventos que estão matando as árvores são cinco graus mais quentes do que o normal, na média de 35ºC. Na borda da floresta, chega a 40ºC entre 11h e 15h, pico de calor na Amazônia. “Esses ventos potencializam-se nas áreas que foram queimadas e hoje estão desmatadas”, advertiu. Um grupo de cientistas da América do Sul fez coro à denúncia.

Os cientistas se referiram ao fato de o desmatamento da Floresta Amazônica permitir a entrada dos ventos quentes que provocam a morte de árvores de centenas e de milhares de anos antes do que deveria efetivamente acontecer. Segundo os cientistas, muitas espécies de árvores e outras plantas, e animais que dependem delas, estão desaparecendo mais rapidamente do que se previa. “As árvores de florestas tropicais podem viver por séculos, até mesmo milênios, por isso nenhum de nós espera que as coisas mudem muito rápido”, disse.

"O problema é que as árvores da Amazônia estão acostumadas com sombra e umidade. Em áreas abertas, elas morrem lentamente"

Henrique Nascimento, pesquisador do Inpa

O número
6 espécies de árvores morrem, a cada ano, em apenas um hectare de terra na floresta pelo impacto das queimadas ocorridas no passado

Efeito do fogo é letal

Além de causar doenças respiratórias às árvores, o uso do fogo na Amazônia está alterando o ciclo de nutrientes no solo da floresta, com impactos negativos tanto para o crescimento da mata quanto para a agropecuária. Essas conclusões fazem parte de pesquisas do Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA), um megaestudo iniciado em 1999 pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, reunindo 800 pesquisadores que tentam entender como funciona o ecossistema amazônico.

Um dos trabalhos foi desenvolvido pelo americano Eric Davidson, do Instituto de Pesquisa de Woods Hole (WHRC). Davidson analisou solos nas terras baixas da Região Amazônica e descobriu que, após ciclos repetidos de queimadas, a quantidade de fósforo e nitrogênio no solo diminui. Os dois elementos são fundamentais. “Quando se fala do efeito da devastação sobre os solos, pensa-se em lixiviação e erosão. Não se conhecia o efeito do fogo no ciclo de nutrientes”, ressalta o climatologista Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), coordenador do estudo.

Na Amazônia, o fogo é usado extensivamente para limpar áreas nas quais a floresta foi derrubada. Primeiro para a agricultura, depois, quando o solo se esgota, para a formação de pastagens. Os estudos de Davidson, no entanto, indicam que, em boa parte dos solos amazônicos as queimadas são prejudiciais para a pecuária. “O fogo diminui a fertilidade dos solos”, aponta Nobre.


Correio Braziliense