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Amazônia regula chuvas no Pacífico



 

A savanização da Amazônia, reconhecida pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) como provável conseqüência do aquecimento global, pode causar impacto no clima de todo o País.  O relatório apresentado na semana passada em Bruxelas trouxe um quadro sombrio sobre os impactos que as mudanças climáticas vão ter no mundo, com reflexos na biodiversidade, na saúde e em escassez de água e alimentação.

Estudos dos irmãos Paulo e Antônio Nobre, do Inpe - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, mostram que a floresta tem influência na circulação de ar sobre os oceanos Atlântico e Pacífico.  A diminuição da mata pode afetar os regime dos ventos, levando, por exemplo, a uma freqüência maior do fenômeno El Niño e, em última instância, pode provocar seca em áreas produtivas do Brasil.

De acordo com Antônio, a floresta amazônica funciona como uma reguladora do clima.  'O sistema climático da América do Sul depende umbilicalmente da Amazônia.  Ao destruirmos a mata para a agricultura, por exemplo, estamos dando um tiro no pé porque vai acabar faltando água para as plantações no futuro', afirma.

A idéia de que a floresta tropical úmida poderá ser substituída por uma vegetação rasteira e menos rica, semelhante à encontrada na África e no cerrado, foi proposta pela primeira vez pelo irmão mais velho da família, o climatologista Carlos Nobre.  Os trabalhos do trio são complementares e estão ajudando a montar o quebra-cabeças sobre mecanismos que até recentemente os cientistas apenas supunham que existissem.

Paulo foi atrás de entender os impactos no regime de precipitações.  'Há algum tempo nos perguntávamos de que forma a modificação na cobertura florestal poderia refletir na distribuição de chuva tanto localmente como nos oceanos', explica.  Com modelos matemáticos ele observou que menos floresta representa menos chuva na região.  E ao interagir esses dados com informações sobre o Pacífico, notou que a redução era ainda mais acentuada.

O sistema integrado apontou que a Amazônia tem influência sobre as águas do oceano.  Chuvas na região modulam os ventos sobre o Pacífico, deixando suas águas mais frias.  Do contrário, o oceano se aquece, o que pode levar a um aumento da ocorrência do fenômeno El Niño.  Do lado do Atlântico acontece a mesma coisa.  O El Niño induz o aquecimento na porção tropical norte do oceano, fato que resulta em seca na região Nordeste do Brasil.


Cascata - Já é sabido que o evento climático provoca também secas na Amazônia, o que suprime ainda mais as chuvas na floresta, e, como um efeito cascata, reinicia o ciclo.  'Sem a floresta, o El Niño deve ficar mais freqüente', explica Paulo.

O fenômeno é um ciclo natural que acontece de tempos em tempos, quando ventos alísios, que sopram do leste para o oeste, perdem intensidade.  Com isso, a água quente do litoral fica parada, mais nuvens se formam na região e surge o El Niño.  Ocorre que a diminuição da floresta também interfere nesses ventos, enfraquecendo-os.

Quem vem explicar como isso ocorre é Antônio.  Ele mostra que a relação entre floresta e os alísios está ligada à transpiração das árvores.  De acordo com o pesquisador, a evaporação de água pelas folhas é maior do que a observada no mar. Para se ter uma idéia, uma árvore grande (com 20 metros de diâmetro de copa) transpira pelas folhas 300 litros por dia.

Considerando as árvores de grande porte - ou seja, 5,5 milhões de km² - temos 20 bilhões de toneladas de água evaporando por dia.  Em rios, lagos e oceanos há 1 metro de superfície evaporadora por metro de superfície geométrica, mas nas árvores essa relação pode ser de 8 a 10 para 1.  É o chamado índice de área foliar (total da área foliar por superfície do terreno).

Segundo Antônio, essa força toda de evaporação acaba 'puxando' o ar do oceano.  Os ventos alísios entram então nesse vácuo trazendo a umidade do oceano para o continente.  Com menos árvores na floresta, no entanto, esse sistema é prejudicado.

A longo prazo o pesquisador acredita que o impacto no continente pode ir além da influência no El Niño.  Se os ventos alísios não forem atraídos para cá, a seca pode se estender para outras partes do país.  'Perceba que na mesma linha de São Paulo, do outro lado dos Andes, temos o deserto de Atacama.  São os ventos alísios, que defletem na cordilheira, que levam chuvas para a região Centro-Oeste, Sul e Sudeste no verão.  Sem a floresta, talvez tenhamos um deserto ali.'

Antônio tem apresentado suas conclusões em conferências internacionais, mas ainda não submeteu seu trabalho a uma revista científica.  No final de março, no entanto, ele ganhou dois aliados.  Os russos A. M. Makarieva e V. G. Gorshkov publicaram um estudo na revista 'Hydrology and Earth System Sciences' que sugere, com base em formulações físicas, que a destruição de florestas continentais como a Amazônia deve gerar desertos a médio prazo.  'Tudo começa a se encaixar e vemos com clareza o papel da região.'



O Liberal/PA/ Amazônia.org