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Rio 92: Quinze anos de um sonho



Uma década e meia atrás, especialistas de 178 países de reuniram no Rio de Janeiro para tentar dar forma a um sonho: o de um mundo em que natureza e progresso convivessem em harmonia.

Quinze anos se passaram, e a Rio 92, como se chamou o megaevento, continua a produzir frutos. A grande festa ambientalista gerou inegáveis conquistas. Cuidar de árvores, limpar rios, separar o lixo e fotografar em vez de caçar deixaram de ser atividades exóticas e se incorporaram ao cotidiano das comunidades em todo o planeta. Dilemas ambientais ganharam visibilidade e desenvolvimento sustentável virou um conceito palatável para governos e empresários.

- A militância ambientalista também se profissionalizou. Descobrimos fontes internacionais de recursos, e redes temáticas pela Internet se tornaram regra - ressalta Kathia Vasconcellos Monteiro, que já nos anos 1970 fazia da defesa da natureza sua profissão de fé e hoje é uma das líderes da ONG Amigos da Terra.

A festança gerou também, na contramão, uma ressaca de idealismo. Ficaram no papel a maior parte dos tratados ambientais firmados pelos governos na época. Um deles é o Protocolo de Kyoto, que evitaria o aquecimento global e que sequer foi assinado por grandes países, como os Estados Unidos.

O Brasil assinou e permanece apostando em combustíveis como o carvão, condenado pelos ambientalistas como fonte de aquecimento e poluição globais.

A bióloga Lilly Lutzenberger, filha de José Lutzenberger, um dos pais da ecologia, lembra que as florestas caminham para um lento extermínio, a queima delas e de combustíveis provoca calor, em conseqüência as geleiras derretem, inundações ocorrem, furacões como o Catarina (o primeiro a atingir o Sul do Brasil) são gerados, milhares de vidas se perdem.

- E ninguém vê que uma coisa está ligada a outra. A Terra é uma só. Lamentavelmente regida por governos inoperantes e gente com grandes negócios que pouco fazem de positivo para a natureza - reclama Lilly, conselheira da Fundação Gaia.

Mesmo com tantos reveses, o ambientalista Cláudio Langoni, ex-secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, vê motivos para comemoração.

Para Langoni, o nível de conscientização do cidadão médio aumentou muito, e as abruptas transformações climáticas recolocaram a natureza no centro da agenda política internacional.

- Até o presidente norte-americano George W. Bush agora fala em evitar desequilíbrio no clima. Sinal de que nem tudo é má notícia no front pós-Rio 92 - observa.

O mundo festeja
IDEALISMO INCORPORADO AO COTIDIANO
> Cuidar do ambiente deixou de ser apenas um slogan bradado por meia dúzia de radicais idealistas e se incorporou ao cotidiano de grande parte dos habitantes do planeta, especialmente dos mais jovens.
> Pelo menos 200 dos 5.560 municípios brasileiros criaram guias para o desenvolvimento sustentável. São ações destinadas a garantir progresso sem agressões à natureza. Eles formaram uma rede que troca experiências. A capital de São Paulo, por exemplo, tem uma agenda municipal e quatro regionais. O Ministério do Meio Ambiente investiu até agora R$ 18 milhões para a implantação de Agendas 21 municipais. Em cidades como Santos (SP), 5,7 mil agentes comunitários foram capacitados para promoverem junto à população práticas saudáveis em relação ao ambiente, como limpeza de riachos.
O VERDE SE MULTIPLICA
> Virou prática comum a arborização, que estimula o plantio de árvores pelos cidadãos. Empresas de todo o mundo passaram a adotar praças e parques, cuidando deles, um costume já adotado nas principais cidades.
TRANSPORTE MENOS POLUENTE
> O transporte público foi racionalizado em capitais e em algumas cidades do interior, com descentralização das linhas. Isso faz com que os ônibus percorram distâncias menores e, em conseqüência, queimem menos combustível fóssil e poluam menos.
> A redução nos impostos embutidos nas passagens de ônibus, em alguns casos, torna o bilhete uma iniciativa acessível para a população, que deixa o carro em casa e polui menos.
SEPARAÇÃO DO LIXO
> A coleta em separado de resíduos secos e orgânicos, uma raridade no Brasil em 1992, é hoje sistemática nas principais capitais e muitas cidades do interior. São comuns também centros de tratamento de detritos, que vêm substituindo os lixões que escandalizavam o país nos planos sanitário e estético.
CICLOVIAS E PISTAS PARA CORREDORES
> Cidades como Curitiba criaram grandes ciclovias. Mesmo que sejam desrespeitadas pelos motoristas, elas estimulam um meio de transporte que não polui. Tornou-se comum também o fechamento de avenidas para que os corredores de fim de semana possam praticar o jogging.
EDIFÍCIOS ECOLÓGICOS
> Começam a surgir nas metrópoles os prédios verdes, que seguem normas para poupar consumo de energia e capricham na manutenção de grandes áreas de vegetação. Alguns contam inclusive com trilhas ecológicas.
CAÇA VIROU RARIDADE
> A caça ilegal virou crime inafiançável no Brasil. Caçadas em geral, antes uma prática rotineira, são cada vez mais politicamente incorretas. Têm sido substituídas pelos safáris fotográficos. O mesmo ocorre com a pesca esportiva, na qual se tornou comum a devolução dos peixes aos rios após serem fisgados.
clicRBS
O que mudou no mundo após a Rio 92?


Há esperança de um futuro melhor

Era uma madrugada muito fria quando a professora Sandra Cascaes sentiu as dores do parto e seguiu para a Maternidade Carlos Correia, em Florianópolis. Poucas horas depois nascia Felipe - no mesmo dia em que especialistas de 178 países concluíam, no Rio de Janeiro, a Rio 92. Enquanto os ambientalistas mostravam-se preocupados com o aquecimento global, os termômetros marcavam até -1ºC em Santa Catarina, temperatura bem diferente da prevista para hoje, aniversário de Felipe, quando deve chegar a 30ºC no Litoral.

Passaram-se 15 anos daquele gelado 14 de junho de 1992 em que o foco, no Rio de Janeiro, era a construção de um mundo melhor para a geração de Felipe e as próximas, na qual natureza e progresso deveriam andar juntos.

Apesar de acompanhar o aquecimento global nas disciplinas escolares, o aniversariante de hoje quase nada sabe sobre o evento encerrado no dia em que nasceu. Mas se mostra assustado com o aumento da temperatura ao longo dos anos.

Felipe não lembra de ter estudado sobre a Rio 92, ou a Eco 92, como também foi batizado o megaevento ambientalista que durou 11 dias. Mas ouve muito, em sala de aula, os professores falarem em efeito estufa. Acompanha ainda o derretimento das geleiras, as inundações e, mais de perto, a passagem de furacões, como o Catarina, que em março de 2004 varreu o Litoral Sul de Santa Catarina e o Litoral Norte do Rio Grande do Sul. Ele também observa a poluição do Rio Cubatão, em Santo Amaro da Imperatriz, na Grande Florianópolis, onde passa as semanas com os avós e estuda no 1º ano do ensino médio.

Felipe, no entanto, faz sua parte. Todo final de ano, ele vai até as empresas de resíduos recicláveis vender o que acumulou ao longo do ano, quando guarda latinhas, plásticos e papel. A ação do menino começou quando tinha oito anos. Com a venda dos recicláveis, fatura mais de R$ 100. Aproveita o dinheiro no Verão, quando vai à praia com a família. Para este ano, o latão, de cerca de um metro de altura, onde acumula o material, já está pela metade.

- Faço a minha parte para contribuir com o ambiente. Não acompanhei a Rio 92, mas cada um deveria cumprir o seu papel e contribuir para um mundo melhor. A começar pelo desperdício de água - diz o menino, que adora computador e acredita que a evolução da tecnologia poderá salvar o planeta dos efeitos nocivos da poluição.

Para seu filho ler
> Em 1992, pessoas importantes de todos os cantos do mundo se encontraram aqui no Brasil para falar sobre a situação do nosso planeta. Essa reunião foi no Rio de Janeiro. Por isso, ganhou o nome de Rio 92.
> Lá, essas pessoas falaram sobre o problema que é jogar lixo na rua, poluir os rios, deixar luzes acesas e cortar árvores. Ao fim, escreveram uma redação sobre o que o mundo inteiro poderia fazer para melhorar tudo isso. Hoje, 15 anos depois, nem tudo o que eles queriam que melhorasse melhorou.
> Mas uma coisa todo mundo tem certeza: depende da gente. Para a gente poder morar num planeta mais bonito e com mais natureza, todas as crianças têm de aprender a desligar as luzes quando não estão no quarto, não deixar a TV acesa, jogar o lixo na lixeira, não demorar no banho e usar o ônibus em vez do carro. Se a gente fizer isso, ajudará todo mundo a viver melhor.

O trauma do clima

Em decorrência da profusão de tornados, enchentes, derretimentos de geleiras e tsunamis, o clima está na ordem do dia para governantes e ambientalistas. A causa é a emissão de poluentes na atmosfera. No Sul do Brasil, as mudanças climáticas ganharam contornos dramáticos e um símbolo, o Catarina, primeiro furacão a se abater sobre essa parte do planeta. Catarinenses e gaúchos nunca tinham presenciado nada igual. Foi na madrugada de 28 de março de 2004 que ventos de até 150 km/h vindos do Oceano Atlãntico. No rastro, ficaram quatro mortes, sete desaparecidos e 40 mil casas destelhadas.

O mundo lamenta
PROTEÇÃO DA BIODIVERSIDADE
> A primeira convenção originada pela Rio 92 foi a da Diversidade Biológica, que deveria zelar para proteção de espécies animais e vegetais. Passados 15 anos, o desmatamento na Amazônia subiu de 10% para 18% da área, segundo organismos internacionais.
> A pirataria de vegetais usados como medicamentos continua ocorrendo. E espécies desaparecem a cada ano. Conforme o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), no período de 1989 a 2003, aumentou em 79% o número de animais ameaçados de extinção no Brasil, menos pela caça e mais pelo desaparecimento de seu hábitat, que cede lugar a lavouras.
REDUÇÃO DO BURACO NA CAMADA DE OZÔNIO
> A Terra é cercada por uma camada de ozônio (O3), gás que a protege dos efeitos maléficos dos raios de sol. Cientistas descobriram que essa capa protetora tem diminuído a cada ano, por efeito de gases industriais como o clorofluorcarbono, presente nos aerossóis e nos refrigeradores. Isso provoca aumento da incidência de casos de câncer de pele, especialmente no Sul da América, incluindo Santa Catarina.
> Muitos países não aceitam eliminar o ozônio da produção industrial. E o buraco continua avançando.
CONTENÇÃO DO EFEITO ESTUFA
> É a maior derrota dos ambientalistas. A poluição causada por gases como o monóxido e o dióxido de carbono, resultantes da queima de combustível e de florestas, formam uma capa em torno da Terra que resulta em aquecimento do planeta (o efeito estufa).
> Nos últimos cem anos, a temperatura média da Terra subiu quase um grau. Ele provoca derretimento de geleiras, aumento do nível dos oceanos, enchentes, tornados, furacões e calor. A Rio 92 transferiu grandes expectativas para o Protocolo de Kyoto (Japão), realizado anos depois e que deveria estabelecer a gradual redução de emissões atmosféricas.
> O problema é que países como os Estados Unidos, o maior emissor desses gases, sequer assinaram o protocolo. Outras nações se recusam a estabelecer metas de redução de poluentes. Com isso, o aquecimento global é hoje a maior preocupação ambiental, tanto que a Organização das Nações Unidas (ONU) cogita convocar uma Cúpula Mundial sobre Clima.
REDUÇÃO DA POLUIÇÃO E DEVASTAÇÃO DOS RIOS
> Especialistas calculam que apenas 1% da água da Terra seja própria ao consumo. O consumo de água triplicou na segunda metade do século 20, por força do aumento populacional. De toda a água doce, 12% fica no Brasil.
> O problema é que a poluição dos mananciais continua sem tratamento - especialmente nas zonas urbanas - e isso é agravado por fatores diversos, como o corte da mata ciliar e a dragagem desenfreada da areia.
AGENDA 21
> Uma das principais metas da Rio 92 reúne 2,5 mil recomendações para que o ambiente no planeta melhore. O problema é que os conselhos foram mudados pela Organização das Nações Unidas (ONU) até 1997.
> Só naquele ano, o Brasil criou uma comissão para implementar o tema. É um dos 178 países que aderiram à proposta. Muitos outros, no entanto, até hoje sequer têm comitês de estudo das propostas, o que significa mais tempo ainda para tirá-las do papel.

"A degradação é veloz em SC"
Entrevista: Daniel Silva, integrante de ONG que participou da RIO 92

Professor do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFSC, Daniel Silva, 59 anos, participou da Rio 92. Como integrante da ONG Movimento Ecológico Livre, ajudou na na elaboração do Tratado Internacional de Educação Ambiental.

Diário Catarinense - O que representou a Rio 92?

Daniel Silva
- Participar do evento mudou minha vida. Até hoje, trabalho com pontos levantados lá e vou morrer sem desenvolver todos. Foi algo que a humanidade nunca tinha vivido, um marco histórico.

DC - O que foi o Tratado de Educação Ambiental?

Silva
- Ele teve como fundamento mostrar que a educação ambiental deve estar nos conteúdos de todas as disciplinas. A idéia, revolucionária para a época, era demonstrar que ela deve ser encarada como responsabilidade e não obrigação, sendo função de todas as organizações e não só do governo. O resultado disto foi a assinatura, sete anos após, da lei federal de educação ambiental.

DC - Na questão ambiental, o que melhorou no mundo desde 1992?

Silva
- Os avanços foram imensos e se concentram nos eixos teórico, tecnológico e de políticas públicas. Em relação a este último, as leis brasileiras são exemplos pela objetividade e clareza.

DC - E o que não mudou?

Silva
- Assim como em 1992, por motivos econômicos, a velocidade de degradação segue forte.

DC - Como Santa Catarina está neste contexto?

Silva
- Aqui, a velocidade de degradação é muito alta. Entre os maiores problemas estão a contaminação de cerca de 95% dos rios. Entretanto, o saldo positivo fica com Urubici, Concórdia e a região Sul, que sofrem com grandes problemas ambientais e estão voltadas ao desenvolvimento sustentável, servindo de exemplo ao Estado.



"A degradação é veloz em SC"
Diário Catarinense