NOTÍCIAS
Voltar

Água no limite em Santa Catarina



A água pode acabar em Santa Catarina dentro de 20 anos, caso os recursos hídricos não sejam bem cuidados. Resíduos de indústrias, dejetos animais e contaminação por lavouras já comprometem a qualidade dos mananciais. No Sul e no Oeste do Estado, a situação é mais crítica, segundo o alerta da Secretaria do Desenvolvimento Econômico Sustentável.

Se hoje o volume das bacias hidrográficas é suficiente para atender à demanda na maior parte do Estado, os sinais da falta de qualidade são bem mais evidentes, de acordo com o secretário estadual de Desenvolvimento Sustentável, Jean Kuhlmann, que lançou ontem, em Florianópolis, o primeiro Plano Estadual de Recursos Hídricos.

- A poluição e o desperdício são as principais ameaças à água catarinense - resume.

Fatores humanos - como atividades econômicas sem preocupação com o meio ambiente - e climáticos, especialmente as estiagens, são apontados por ele como os grandes vilões no que diz respeito à qualidade e quantidade da água disponível para consumo em Santa Catarina.

O Sul e o Oeste catarinenses se destacam pela qualidade da água, pior do que nas demais regiões. A situação mais crítica é a do Oeste, com comprometimento dos recursos hídricos pela poluição proveniente das criações de suínos sem sistema de tratamento de resíduos. No Sul, o problema da poluição é amplificado pela extração de carvão.

Os resíduos da exploração de carvão contaminam a água com metais como o ferro, que aumentam sua acidez e impedem seu consumo. Conforme a substância presente nessa água, ela pode se acumular em órgãos como os rins e provocar várias disfunções no organismo.

- A maior parte da exploração do carvão mineral do Sul catarinense ocorreu no século passado, sem nenhum cuidado com a exploração. A partir da década de 1990, o setor sofreu uma desacelaração, por fatores como a implementação da legislação ambiental, mas os danos já tinham sido causados, comprometendo o solo e água da região - explica a engenheira agrônoma e mestre em Geografia, Silene Rebelo.

Ela ressalta que os danos provocados por resíduos de indústrias podem ser os mesmos, mas de forma mais pontual e de mais fácil detecção e controle. Já os dejetos suínos podem gerar problemas para a vida existente nos corpos da água e para a saúde das populações, devido ao aumento da população de borrachudos e a possibilidade de ocorrência de doenças como gastroenterites.

É também no Sul do Estado que existe escassez de água devido ao uso intenso para irrigação, principalmente na orizicultura, nos meses de setembro a janeiro. Lá, segundo o diretor de recursos hídricos da Secretaria de Desenvolvimento Sustentável, Rui Batista Antunes, já existem conflitos pela água, até em anos considerados normais em relação ao volume de chuvas.

Isso porque a irrigação é a atividade que mais usa água no Estado, liderada pelo cultivo de arroz, apesar de se restringir a determinados períodos. A indústria e a mineração sucedem a irrigação como as atividades que mais gastam água. A utilização dos recursos hídricos nas criações de animais aparecem em terceiro lugar.

Apesar de não ser um destaque localizado, a falta de saneamento básico, presente em todo o Estado, é considerada por Rui Batista Antunes como um fator preocupante. Santa Catarina tem a segunda menor cobertura de saneamento básico do país - apenas 11% - , perdendo só para o Piauí.

- Se o Estado continuar com ações localizadas, sem elaborar programas que contemplem toda a água de Santa Catarina, o esgotamento dos recursos hídricos será inevitável, porque a demanda cresce e os recursos não - ressalta o secretário Jean Kuhlmann.

A maior demanda de água em Santa Catarina é na Bacia do Rio Itajaí, onde são captados cerca de 4,2 metros cúbicos de água por segundo, que equivale a 4, 2 mil litros de água. Para se ter uma idéia, para tomar um banho de 15 minutos, uma pessoa gasta cerca de 243 litros. Em seguida, está a bacia do rio Cubatão Sul, que abastece a Grande Florianópolis, com 3 metros cúbicos de água por segundo.

Para o seu filho ler
Aágua é o bem mais precioso da Terra. Sem água, não haveria vida no Planeta. O problema é que, um dia, pode faltar água até para as pessoas beberem. Se isso acontecer, será daqui a 15 ou 20 anos. Mas é preciso começar a cuidar da água desde agora. A responsabilidade é de todos nós. Por exemplo, não se deve jogar lixo em rios e lagoas, para não contaminar a água. De onde você pensa que vem a água que sai na torneira de casa? Dos rios. Se o rio estiver poluído, a água que sairá dali não estará boa para beber. Outra maneira de ajudar é poupar água, não deixando torneiras abertas nem tomando banho muito demorado.
Saiba mais
Captação na Bacia do Rio Itajaí é de 4,2 mil litros por segundo

Cobrança pode evitar conflitos

O Plano Estadual de Recursos Hídricos foi elaborado para permitir um melhor gerenciamento das águas que passam por Santa Catarina e evitar o esgotamento dos recursos hídricos. O objetivo é utilizar o estudo para elaborar políticas de preservação dos mananciais e combate ao desperdício para compensar o prejuízo. Uma das medidas em estudo é a cobrança desse recurso natural, para evitar futuros conflitos.

Santa Catarina está iniciando sua estruturação na área de recursos hídricos, apesar de ter uma legislação específica na área desde 1994. Os dirigentes da Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Sustentável falam em alternativas como a captação da água da chuva em maior quantidade no Oeste para combater a possibilidade de falta de água potável daqui a duas décadas. Até agora, no entanto, o que foi feito de mais significativo foi a chamada Outorga de Direito de Uso de Recursos Hídricos.

O instrumento, previsto em lei, disciplina o uso das águas, permitindo que o Estado controle a quantidade e a qualidade dos recursos utilizados por determinadas empresas. Por enquanto, a Outorga vigora em quatro indústrias do Vale do Itajaí, como um projeto piloto, segundo o diretor de Recursos Hídricos da Secretaria de Desenvolvimento Sustentável, Rui Batista Antunes.

O Ministério Público Estadual está realizando Termos de Ajuste de Conduta (TAC) com setores empresariais, onde são definidas ações de curto e médio prazo para que os empreendedores ajustem suas atividades à legislação em vigor.

- Outro instrumento legal que o governo não descarta é a cobrança pelo uso da água disponível na natureza para conter conflitos - lembra o secretário Jean Kuhlmann, sem dar detalhes.

A expectativa de resolver parte do problema enfrentado pela falta de saneamento básico no Estado está na verba prometida pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal. A meta é que Santa Catarina alcance 40% de saneamento com essa verba.

Solução pode cair do céu
Rio do Sul

Os novos empreendimentos com área igual ou superior a 400 metros quadrados, em Rio do Sul, no Alto Vale do Itajaí, obrigatoriamente terão que contar com reservatório para a coleta de água da chuva.

O projeto de lei de autoria do Executivo foi aprovado em primeira votação, na sessão de segunda-feira da Câmara de Vereadores, e deve ser sancionado pelo prefeito Milton Hobus ainda este mês.

As construções com mais de 2,5 mil metros quadrados deverão reservar e manter uma área permeável equivalente a 5% do total do terreno.

A proposta de criar a legislação, de acordo com o prefeito Milton Hobus, surgiu com base no sistema implantado em sua empresa há três anos. A água captada da chuva é utilizada no resfriamento das máquinas, limpeza e sanitários.

- Isso representa uma redução de custos da ordem de 30% - assinala.

Hobus observa que, considerando o volume anual histórico da precipitação pluviométrica, o investimento tem condições de ser pago em curto espaço de tempo.

- Rio do Sul quer dar um exemplo de aproveitamento da água - assinala Hobus.

Rio do Sul dá exemplo de como aproveitar a chuva

O prefeito acrescenta que pretende desencadear uma campanha para que todas as residências implantem reservatórios. A legislação prevê que na coleta da água deverão ser utilizadas as áreas impermeáveis do empreendimento, que são normalmente telhas, terraços, coberturas e pavimentos descobertos.

Toda a água acumulada será levada por calhas, condutores verticais e horizontais até os reservatórios, para ser reutilizada. O volume armazenado não se destinará ao consumo humano, mas será aproveitado na lavação de carros e limpeza doméstica.

- Essa água não poderá ser utilizada para consumo humano - adverte o prefeito.

Lavouras consomem reservas
CRISTIANO RIGO DALCIN/ Araranguá

O uso racional da água das nascentes do Costão da Serra na região do Vale do Araranguá, no Extremo-Sul catarinense, esbarra em dois problemas ligados ao próprio consumo: a irrigação das lavouras de arroz e o abastecimento da população das áreas urbanas.

O gerente regional da Epagri em Araranguá, Eclair Alves Coelho, relata que os agricultores têm sido orientados sobre a importância do uso racional da água. O Ministério Público, por meio de Termos de Ajustamento de Conduta (TACs), tem exigido a preservação dos cursos dágua junto a 3 mil agricultores "irrigantes" da região, que produzem numa área de 53 mil hectares.

A localização das plantações também é um problema antigo na região. Para evitar a contaminação dos mananciais por produtos químicos usados na agricultura, as lavouras devem ser cultivadas a uma certa distância dos rios, o que não ocorre no setor orizícola, bastante expressivo na região.

- Isso está sendo cobrado dos produtores - garante Coelho.

O gerente regional da Epagri também chama a atenção para o estancamento de ações de desmatamento de áreas do Costão da Serra, por intermédio da fiscalização da Fundação do Meio Ambiente (Fatma).

Ambientalista defende um plano para bacias

Ele acredita que a solução seria a construção da barragem do Rio do Salto, em Timbé do Sul. A exemplo da barragem do Rio São Bento, em Nova Veneza, a água armazenada seria usada tanto pelos produtores de arroz como para consumo humano nas cidades de Turvo, Ermo, Meleiro, Araranguá e Balneário Arroio do Silva.

Já para o ambientalista e diretor da Ong Sócios da Natureza, Tadeu dos Santos, a melhor iniciativa para reverter o atual quadro de disputa pela água é um plano de bacias "bem elaborado" pelo comitê da bacia hidrográfica do Rio Araranguá.

- Se você olhar no Google Earth, a situação entre Praia Grande e Forquilhinha é tão ameaçadora quanto aquela gerada pelo carvão na Região Carbonífera. Há um processo de desertificação. As nascentes de planícies estão comprometidas e restam apenas as localizadas no Costão da Serra - constata.

Santos é contra a instalação da barragem do Rio do Salto como solução imediata. O ambientalista entende que o empreendimento beneficia os agricultores e resolve só o problema de áreas urbanas próximas (Timbé do Sul, Meleiro, Turvo, Ermo), sem atingir maior contigente populacional, como Araranguá.



Diário Catarinense