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Florianópolis: Medalha de prata em desperdício



Florianópolis é a segunda capital que mais desperdiça água na região Sul do país. Mais da metade da água tratada da Capital é desperdiçada diariamente. Do manancial à torneira, pouco mais de 42% da água que se produz é jogada fora. O volume desperdiçado em apenas um dia seria suficiente para abastecer as cidades de São José e Biguaçu no mesmo período.

As estatísticas fazem parte de um estudo divulgado hoje no lançamento da Campanha De Olho nos Mananciais, em São Paulo. Elaborado pelo Instituto Sócio-ambiental, com base em dados de 2004, o documento foi batizado de Abastecimento de Água e Esgotamento Sanitário nas Capitais Brasileiras

Os números são um retrato da falta de políticas públicas e de consciência da população no uso racional do recurso. Na Capital catarinense, todos os dias, são gerados mais de 100 mil litros do produto. Desses, cerca de 58 mil são consumidos e 43 mil perdidos. O prejuízo equivale a 17 piscinas olímpicas, o suficiente para abastecer 265 mil pessoas em um dia.

O desperdício não para na torneira. O consumo em Florianópolis é um terço maior do que o ideal para a Organização das Nações Unidas (ONU). Segundo o órgão, 110 litros diários de água por habitante são suficientes. Na Capital, o consumo per capita é de 163 litros por dia.

Para reduzir as perdas, especialistas apontam como necessários programas que envolvam fiscalização de ligações clandestinas, substituição de redes velhas, manutenção de hidrômetros e pesquisas de vazamento.

Além das medidas para minimizar as perdas nas redes - que, enquanto no Brasil é de 45%, nos países da Europa é de 20% - é necessário fiscalizar o uso e a ocupação nas áreas de mananciais, para evitar a degradação das fontes.

As campanhas de esclarecimento da população também são lembradas. Não é raridade, especialmente nos dias mais quentes, observar pessoas lavando carros, calçadas e regando plantas com mangueiras por longos períodos. Atividades como essas deveriam ser feitas usando baldes, reduzindo significativamente o desperdício.

A dona de casa Regina Neves, 42 anos, é um exemplo do que não se deve fazer. Ela confessa que não presta atenção no gasto exagerado de água em sua residência, que ocorre, de acordo com ele, por causa de sua mania de limpeza:

- Quando vejo as áreas sujas, a primeira providência é pegar a mangueira para limpar. Meus filhos reclamam, chamam atenção e sugerem que, ao invés de duas vezes por semana, faça isso apenas uma.

Mudança de hábitos é fundamental

A professora de Direito e Bioética da Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) Samanta Buglione explica que uma mudança de hábitos é fundamental.

- Existe uma cultura de consumo que impede as pessoas de abrirem mão de confortos que implicam em gasto excessivo de água. Mas quando se fala especificamente de Florianópolis, não se pode esquecer que há um crescimento do mercado imobiliário que faz crescer também essa demanda

Outro dado apontado pelo estudo é que a tarifa média de água em Florianópolis é a quarta mais alta do país, depois de Porto Velho (RO), Manaus (AM) e Porto Alegre (RS). Cada mil litros custam R$ 2,01.

Contraponto
O que diz a Casan
A Casan apresentou índice de 40% de desperdício, por conta de ligações clandestinas e a falta de conscientização de parte da população. Programas de controle estão sendo implementados. Quanto aos outros números, a assessoria de imprensa disse que a companhia tem índices mais recentes, mas que só poderia apresentá-los hoje.
Saiba mais
Abastecimento de água
- Apenas seis das 27 capitais atendem à totalidade de sua população;
- Apesar da média de cobertura ser de 90%, Porto Velho (RO), Rio Branco (AC) e Macapá (AP) cobrem apenas 30,6%, 56,2% e 58,5% da população, respectivamente.
Consumo de água nas capitais:
- A média de consumo per capita é de 150 litros por dia;
- São Paulo, Rio de Janeiro e Vitória apresentam os maiores consumos (mais de 220 litros/habitante/dia).
Perda de água (desde vazamentos até sub-medições e fraudes)
- A água perdida diariamente nas capitais seria suficiente para abastecer 38 milhões de pessoas/dia (considerando o consumo de cada capital);
- A capital campeã do desperdício é Porto Velho, com 78,8% do total;
- Em termos de volume perdido, o Rio de Janeiro é a capital que mais joga água fora - um volume diário equivalente a 618 piscinas olímpicas!
Esgotamento sanitário
- Cerca de 30% da população das capitais - mais de 13 milhões de pessoas - não têm acesso a redes de coleta de esgoto;
- Manaus, Belém e Rio Branco apresentam os piores índices, com menos de 3% de seus moradores atendidos pelo serviço.

Serviços básicos são artigos de luxo

Enquanto uns desperdiçam, outros sofrem com a falta de água na Capital. Mais da metade da população de Florianópolis não é atendida por coleta de esgoto, e cerca de 10% não dispõe de abastecimento de água. Os números da pesquisa feita pela ONG Instituto Sócio-ambiental de São Paulo são os piores entre as capitais do Sul do país. Em Porto Alegre, são 14,5% e em Curitiba, 24,5%.

Moradora do bairro Monte Verde, a copeira Vera Lúcia, 52 anos, é uma entre os mais de 200 mil florianopolitanos que não dispõem de coleta de esgoto. Ao lado de sua casa, o mau cheiro é constante no Verão porque, não bastasse o seu esgoto, é no terreno em que mora que desembocam os de outras 10 casas. Dali, ele corre a céu aberto para o rio local.

Sem coleta ou fossa, é por meio de canos que o esgoto sai das casas e desemboca no terreno de Vera. Ela conta que sempre morou no mesmo local e nunca teve problema semelhante, já que não tinha mais de duas casas acima da sua. O crescimento desordenado da região agravou a situação.

- Eu quero comprar mais canos para levar tudo até uma fossa que tem para baixo do meu terreno. Mas não adianta eu fazer isso se o resto da vizinhança continuar jogando esgoto aqui - reclamou.

Outro problema apontado pelo estudo foi o fato de Florianópolis apresentar o menor índice de abastecimento de água entre as capitais do Sul. Enquanto em Porto Alegre e Curitiba falta menos de 1% da população ser contemplada por este serviço, em Florianópolis, faltam 7,1%.

Alternativa perigosa para a saúde 

A situação pode ser comprovada no Bairro Córrego Grande, onde vive o motoboy Rui da Costa, 48 anos. Por morar em uma subida, ele sofre com a falta de água. Costa e alguns vizinhos usam mangueiras para coletar água de uma nascente.

- Até quem paga água já puxou uma mangueira porque não dá para contar só com o que a companhia. Quando eu morava no Campeche, passava um sufoco. Tinha que planejar o uso da água, esperar a caixa encher porque o abastecimento é precário - lembrou.

Para o professor da UFSC, Luiz Sérgio Philippi, a preocupação é a falta de controle de qualidade da água consumida. Nos locais onde a água tratada não chega, é comum que a população use fontes que podem não ser adequadas ao consumo.

- As contaminações podem ocorrer pela falta de esgoto, que faz com que muitas pessoas improvisem suas fossas, correndo o risco de atingirem lençóis freáticos - analisou.



Diário Catarinense