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Polêmica sobre o novo Código Ambiental de Santa Catarina



Os limites da preservação
No meio do fogo cruzado entre autoridades federais e estaduais, qual lei ambiental está valendo?
JÚLIA BORBA

Há 70 anos a família do agricultor Waldir Ineichen tira o sustento da terra. Dos pais, herdou a vontade de trabalhar no campo e uma propriedade de 10 hectares na Itoupava Central, onde cria suínos e peixes de água doce. Como a propriedade é recortada por pequenos rios, Ineichen, atento à legislação ambiental, mantém uma área preservada na lateral dos cursos d’água. No entanto, os cinco metros de recuo não são suficientes diante dos 30 metros mínimos exigidos pelo Código Florestal Brasileiro. Nesse sentido, a sanção do Código Ambiental de Santa Catarina é considerada uma boa-nova pelo produtor rural. Ele calcula que precisaria secar uma lagoa e meia para manter a Área de Preservação Permanente (APP) exigida por lei.

– Queria que o ministro (do Meio Ambiente, Carlos) Minc viesse aqui para ver se conseguiria sustentar a família e ainda preservar a mata do jeito que pede. Se eu reflorestar 30 metros de cada lado do rio, perco 50% da área produtiva – desabafa.

Ineichen mira as críticas no ministro por causa da ameaça de prender quem desobedecesse as regras federais, feita por Minc segunda-feira. A afirmação gerou uma crise entre ele e o governador Luiz Henrique da Silveira, principal defensor do código.

O dilema de produzir em áreas próximas a rios se repete em 80% das 1,2 mil propriedades rurais de Blumenau, segundo o Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Para o presidente da entidade, Márcio Schwanz, se o Código Florestal Brasileiro fosse integralmente cumprido na cidade, a atividade agrícola seria inviável, já que a maioria das propriedades rurais possui menos de 50 hectares.

Enquanto a sanção do código catarinense é festejada pelos produtores rurais de Blumenau, ambientalistas protestam em coro:

– É uma irresponsabilidade dos nossos gestores públicos e do nosso governador aprovar esse código. Essa geração vai se arrepender amargamente – afirma o biólogo Nélcio Lindner.

Para Lindner, a qualidade da água já é péssima no Vale do Itajaí. A redução da mata ciliar para cinco metros permitiria aos agricultores construir estábulos de animais e plantar muito próximo da água, contaminando-a com dejetos ou agrotóxicos.

– A longo prazo, o código catarinense não trará benefícios aos agricultores. Vamos gastar muito mais dinheiro recuperando as águas – acredita.

“Estamos montando a bomba que vai explodir no futuro”
ENTREVISTA LAURO BACCA, MESTRE EM ECOLOGIA

Para o biólogo e mestre em Ecologia Lauro Bacca a tragédia climática de novembro é a maior prova de que o Código Florestal Brasileiro deve prevalecer sobre o Código Ambiental catarinense. Os cursos d’água precisam ser preservados tanto na área urbana quanto na rural. Nos grandes centros, devido ao asfalto e às construções, o solo não absorve a chuva, que escoa mais rápido e se avoluma em rios e córregos. Segundo Bacca, a lei estadual, mais branda, só agrava o problema.

Jornal de Santa Catarina - Por que o senhor é contra o Código Ambiental?

Lauro Bacca -
Primeiro, porque é um código mais agrícola do que ambiental. Segundo, por ter desprezado todo um trabalho realizado por técnicos de várias áreas, representantes dos agronegócios, agricultores, representantes de universidades, ambientalistas, governantes, ao longo de 2007. Era um grupo formado para discutir a proposta do Código Ambiental. O estudo foi entregue ao governador Luiz Henrique e saiu do gabinete dele esse código deturpado. Estamos montando a bomba que vai explodir em um futuro próximo.

Santa - Por que o código está causando tanta polêmica?

Bacca -
A área de preservação próxima aos rios deveria ser mais discutida. A distância de 30 metros ou cinco metros, para ter algum efeito prático, tem de ser discutida em termos técnicos, e não político-eleitoreiros. As unidades de conservação estão previstas no código catarinense para serem criadas somente por lei, o que faz com que um assunto eminentemente técnico fique à mercê da discussão de políticos. Outra coisa gritante é a compensação ambiental. Hoje, se é construída uma barragem, a compensação é de 2% do valor da obra para preservação da natureza. Com código estadual, os recursos da compensação estão previstos para outros fins. Essa lei é um retrocesso.

Santa - Quais as deficiências que o senhor aponta no código?

Bacca -
O código não prevê o que deve acontecer com as nascentes, encostas inclinadas, topos de morros... Quando ele prevê a preservação de área acima de 1,8 mil metros de altitude, é uma piada. No Estado inteiro temos pouquíssimos hectares acima de 1,8 mil metros, talvez três ou quatro pontos. Outra coisa escabrosa é que ignorou mangues e restingas, previstos na Constituição como patrimônios nacionais.

Santa - Os produtores rurais defendem que o código catarinense beneficia a produção agrícola. O senhor concorda?

Bacca -
O código é enganoso, porque ele beneficia mais o empresariado do agronegócio. Porém, quase apanhando dos meus colegas ambientalistas, defendo que no caso de pequenos córregos, rios com até um metro de largura, 30 metros de preservação seja muito. Em Blumenau, a maioria das propriedades rurais é cortada por pequenos rios. Nesse caso, concordo que Área de Preservação Permanente (APP) seja menor, mas é preciso discutir isso tecnicamente.

Santa - Qual a sua opinião sobre a atuação do governador Luiz Henrique nesse episódio?

Bacca -
Estou preocupado com o que possa estar acontecendo com o nosso governador. Sua inteligência desaparece quando o assunto é meio ambiente, bem como aflora-lhe uma arrogância ao afirmar, em entrevista à RBS TV, que “ninguém conhece o que aconteceu melhor do que eu”, sobre o que houve no Morro do Baú, em novembro. É uma inaceitável irresponsabilidade, incompatível com o seu elevado cargo, ao afirmar que “o que desabou foi mata virgem”, em entrevista e artigo publicados pelo Santa após a catástrofe, insistindo em ignorar os dados técnicos de especialistas, inclusive do governo.



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